Doce velhice.


Ele era velho. Carregava nas costas o peso de tantos anos, que sua coluna formava um arco. Não dizia quase nada, pois não havia muito a dizer. E quando dizia, mal podiam ouvi-lo.

Ah, o tempo é uma traça que devora a voz, a beleza, a si mesmo e a existência.
Era o único ser vivo que habitava a velha casa, que não era tão velha quanto ele. Incapaz de dar um mísero passo, de se alimentar sozinho, de cuidar da própria higiene, era auxiliado por uma enfermeira particular que um sobrinho, o único que ele possuía, contratou. Por mais que viver agora lhe parecesse cansativo, o velho gostava da vida. Mas, de tão velho, não vivia, apenas era vivo.

Descobriu na consciência do passado uma forma de viver, ou melhor, reviver. Deleitava-se nas poucas e interessantes memórias da juventude que lhe viam em mente. A enfermeira, habituada à expressão séria e carrancuda do velho, surpreendia-se ao vê-lo sorrir, olhando fixamente para qualquer ponto onde não havia graça alguma. Sorria com os olhos também. Havia dias em que o velho dialogava com algum conhecido que viera da memória pra saudar-lhe.

- Está caducando- Lamentava-se a mulher, pensando também se chegaria a caducar na velhice.

A verdade é que o velho, de tão velho, havia se esquecido de morrer. Até que um dia, sem bater na porta, nem cumprimentar a enfermeira que acabara de agasalhar o velho, surgiu uma mulher. Era negra, forte, bonita. Usava um vestido longo, de uma escuridão misteriosa. A figura estranha causou ao velho certa simpatia. Então ele sorriu um riso lúcido que há tempos não dava, que até mesmo a enfermeira, no auge de sua juventude nunca dera.

- Sabe quem sou?- Perguntou a negra, solene, com sua voz retumbante.

- Suspeito- Disse o velho, tão baixo que talvez somente ele pudesse ter compreendido.

A negra assentiu lentamente, esboçando um sorriso tranqüilo.

- Esqueci de te buscar.

- E eu de morrer- Retrucou o velho, sorrindo novamente, como se tivesse acabado de dizer algo engraçado.

- Um dia tudo cai no esquecimento, até a vida.

- Disso eu me lembro todos os dias- Disse o velho, levantando a trêmula e frágil mão para tocar a da negra, que se estendia firme e imperiosa diante dele. Ergueu-se e, sentindo-se agora mais jovem do que já fora em toda a sua vida, saiu de mãos dadas com a morte. Agora tudo estava claro, mais claro até que o sol lá fora. 


"Sim até a morte tem coração."
 Markus Suzak.

11 Pessoas confessaram Amor Verdadeiro:

Anônimo disse...

Perfeito seu texto , o tempo realmete é uma traça , leva tudo que nos permite a juventude .
Gostei tbm da ultima frase .
Parabens tudo aqui é lindoo *---*

Anônimo disse...

Que coisa mais linda.Tô pasma e sem comentários. A morte e vista de tantas formas e as principais são as piores, ninguém as desejam, todos a temem e ela acaba sendo uma companheira para quando não tem mais o que se viver, amei!
http://plush-love.blogspot.com/

Anônimo disse...

Sem esquecer de falar que o seu blog ta cada vez mais lindo,adorei :)

Nátaly Neri Napoli disse...

Adorei o desenrolar da história e mais ainda o desfecho! "Um dia tudo cai no esquecimento, até a vida" Adorei! Lindíssimo! Ótima metáfora usada!
Adorei o blog, vou visitá-lo sempre! Estou te seguindo, me siga querida, beijos1

Italo Stauffenberg disse...

que tenso. é difícil imaginar o encontro com a morte não é?

^^

abração.

Anônimo disse...

Nossa magnifico texto, amei mesmo parabéns

CAMILA de Araujo disse...

A beleza das palavras e da essencia do texto, contrastam com a feiura da velhice, entretanto, neste conjunto, o leito fica extasiado com a beleza e a maturidade que você autora demonstra neste conto. Parabéns!

http://papel40kg.blogspot.com/

Patrícia disse...

Muito bom!! Você me surpreende menina, que história linda, principalmente o desfecho.

Seu blog tá lindo! beijos

Anônimo disse...

você está de parabéns , seus texto foi ótimo. pobre velhinho rsrs . agradeço por visitar meu blog . já avia visitado o seu antes , acho seus textos fabulosos . siga em frente você é uma boa escritora ! beijo ;*

Pam Dal Alva disse...

nossa q lindo .. realmente dificl imaginar o encontro com a morte .. tenso.
a historia do velhinho no filme é tão linda. mais o restante do filme é muito idiota . rs .
kisu

Pâm Lobo disse...

Nossa, adorei sua história. O que achei interessante foi a forma que você descreveu a morte: como se fosse alguém simpático, amigo.

Beijos :*
Pâm Lobo

http://pamlobo.blogspot.com/

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